terça-feira, 7 de julho de 2009

BORGES: MEMÓRIA E ESQUECIMENTO COMO EMBLEMAS DA AMÉRICA LATINA.


Jorge Luis Borges, nascido em Buenos Aires em agosto de 1899 e falecido em julho de 1986 em Genebra, foi um escritor atuante em diversas perspectivas do fazer literário, realizando seu ofício no campo da poesia, da tradução, da crítica e dos ensaios permeados por contos e histórias curtas.

O objetivo desse artigo é tratar especificamente de dois contos: Funes el memorioso e La Biblioteca de Babel, constantes de seu livro Ficções de 1944, relacionando a temática da memória e do esquecimento presente em seus escritos com os debates teóricos em torno desses dois conceitos que adquiriram impulso no Brasil no último quartel do século XX. A opção por essa análise literária, parte da predominância que os olhares sobre a Europa (em especial França e Alemanha) e a América do Norte receberam nessa abordagem, desconsiderando em certa medida produções latino americanas.

O contexto da América Latina, por sua condição primeiro de colônia dos países ibéricos e mais tarde como lócus de experiências políticas traumáticas advindas de diversas ditaduras militares que eclodem em meados do século XX, estabelece uma relação muito particular com as atividade de rememoração e esquecimento, sejam estas articuladas pelo Estado – como forma de manutenção/ imposição do poder ou indulto de anistia por seus atos – ou pela sociedade civil como forma de protesto e reivindicação cidadã.

Memória e esquecimento no debate teórico das ciências humanas.

O século XX inaugurou um período marcado pela valorização do presente compreendido como “vida” em oposição a um passado associado à “morte”. Após duas guerras mundiais se instaurou o slogan: “Tout, tout de suite” (tudo, tudo agora) inscrito nos muros de Paris em maio de 1968. A desilusão com as experiências revolucionárias concentrou a idéia do presente como principal categoria de reflexão história. O presente, nada além dele, eis o que François Hartog denomina de “presentismo” ao discutir os regimes de historicidade em suas diversas temporalidades. (HARTOG, 2003.)

O processo civilizatório da modernidade corporificado em tendências globalizantes visa homogeneizar modelos econômicos, políticos, sociais e culturais dentro dos padrões pré-estabelecidos pelos países hegemônicos no panorama mundial. As regras do ocidente estendem seus tentáculos a todos os espaços ditando modos de pensar e agir. Vive-se sob a égide do imediatismo, do “tempo real”, no qual o passado como elemento fundador ou ancestral ruiu sob o descrédito da noção de fragmentação e do esquecimento.

O que chamamos de esquecimento no sentido coletivo, aparece quando grupos humanos deixam de transmitir para a posteridade – o que aprenderam do passado , – seja voluntariamente ou passivamente, por rejeição, indiferença ou indolência, ou ainda por alguma catástrofe histórica quebrando o curso dos dias e dos acontecimentos. (YERUSHALMI, 1998).

A memória é muitas vezes definida como a capacidade de lembrar o passado. Porém, esta simples descrição contém significados distintos, assim como cada um destes significados pode ser denominado por diferentes termos. Por “memória”, nós entendemos o ato de cantarolar uma música de cor, andar de bicicleta, seguir um trajeto diário sem quedas ou ainda manter lembranças de pessoas ou fatos do passado, e aprender através deles. Estes aspectos da memória, que durante muito tempo foram analisados pela psicologia e pela filosofia a partir da capacidade individual de lembrar, têm sido associados atualmente a aspectos sócio-culturais. (FENTRESS, James; WICKHAM, Chris, 1992).


Na medida em que aspectos sociais são considerados, os conceitos de memória se diversificam: “memória social”, “atos coletivos de lembrar e esquecer”, “tradição”, “traços da memória”. Estes conceitos representam não só diferentes percepções de um mesmo acontecimento, como eles também explicam diferentes fenômenos indistintamente relacionados como memória. Na procura de definição do que seja “memória”, os conceitos explicam seu funcionamento, sua ação criadora, suas ligações com a esfera social, com o poder, com o inconsciente individual ou coletivo.

(Continua...)